A tristeza é um sentimento essencial, assim como a alegria, a raiva ou o medo. E embora geralmente seja vista de uma forma negativa, é muito importante para nossa saúde mental e para nossas relações sociais. A tristeza é definida como sendo o contrário de alegria (seu antônimo no dicionário), e assim como esta, não é constante, é um sentimento que está ligado a acontecimentos. Ela é uma reação natural e comum diante de algum evento. É esperado que sintamos tristeza diante de acontecimentos difíceis de serem vivenciados. E é saudável que esse sentimento tenha espaço, que tenha permissão de nós mesmos para ser sentido, ser vivenciado.
O filósofo Byung Chull-Han nos apresenta o conceito da sociedade da positividade. Ele nos explica que no mundo atual vivemos no imperativo do desempenho. A ideia de que o sujeito pode e deve fazer tudo o que quer, de que a responsabilidade de sua felicidade e sucesso dependem exclusivamente dele, faz com que cada vez menos os sentimentos associados à negatividade, não tenham espaço na vida. A tristeza, a dor, o cansaço, a frustração e tantos outros sentimentos que nos remetem à dificuldade de lidar com as coisas, são substituídos pela ideia de superação, motivação e produção, sem que nem mesmo tenhamos tempo de entender o que essas emoções que surgiram anteriormente significam para nós. Segundo o filósofo, não temos mais permissão e tempo para digerir esses sentimentos e superá-los, apenas temos o dever de evitá-los para que nosso desempenho e alegria não sejam afetados.
O filme “Divertidamente” (2016), retrata bem o que estamos falando aqui. Na animação, as emoções Alegria e Tristeza, que fazem parte do centro de comando que existe dentro da cabeça da menina Riley são inicialmente retratadas como emoções opostas. A Alegria sempre toma a frente do centro de comando e quando percebe que a adolescente não está feliz, isso se torna quase desesperador para a personagem. É então que Alegria se dá conta de que isso geralmente acontece quando Tristeza toca em alguma emoção ou aciona algum botão da mesa de comando. Alegria então inicia a missão de distrair a Tristeza, para que ela não interfira mais em seu trabalho, afastando-a de qualquer ação que possa perturbar a constante felicidade de Riley e ainda tentando fazer com que a Tristeza veja o lado bom dos pensamentos que tem, ou seja, que não foque na emoção triste.
Durante um dos conflitos entre as duas personagens, onde Alegria tenta impedir Tristeza de tocar em uma memória de Riley, para que aquela lembrança não venha carregada de tristeza quando aparecer para a menina, as duas emoções são expulsas da sala de comando, indo para uma outra dimensão da mente de Riley, que fica sendo comandada por Medo, Raiva e Nojinho. Na saga de voltarem para a sala de comando, Tristeza e Alegria passam por diversas situações. Em uma delas um amigo imaginário de Riley perde um objeto que ele amava muito, e fica muito triste. Alegria tenta distraí-lo com cosquinhas e piadas, porém, ele só se sente melhor quando Tristeza senta ao seu lado e o compreende. O personagem então se permite chorar e sentir sua dor. Alegria observa, porém só consegue entender a importância da tristeza, quando ela mesma permite se sentir triste. É importante observar também que Alegria passa boa parte do tempo com medo, porém nunca fala sobre isso, e sempre coloca seu otimismo acima de seus outros sentimentos.
Ao voltar para a sala de comando, quase no final do filme, as emoções percebem que uma das memórias bases de Riley, ou seja, uma memória muito importante que formava parte de sua personalidade, e que era vista como uma memória alegre, na verdade é uma memória “mista”, pois tem sua origem em um momento de tristeza de Riley. Foi quando ela se sentiu triste e demonstrou sua tristeza que seus pais vieram consolá-la e aconteceu um momento de muito afeto e carinho entre eles.
O sentimento de tristeza muitas vezes vai nos indicar que algo não está bem, que precisa ser tratado, cuidado, que precisa de atenção. Ela não aparece sem razão e se não dermos a devida atenção, essa tristeza não vai sumir, desaparecer, mas se transformar em outros sentimentos ainda mais complexos e difíceis de serem compreendidos e cuidados, podendo até mesmo desencadear um episódio de depressão. Para o filósofo Byung Chull-Han: “A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso da positividade.”
Olhar para um sentimento de tristeza e acolhê-lo pode ser difícil, mas é a melhor forma de cuidar dele. Seja quando essa tristeza é nossa, seja quando ela é de alguém que amamos e queremos bem. Acolher uma pessoa é dar espaço para que sua dor apareça, buscando escutar e compreender o que e como ela fala dessa dor. Esse acolhimento, muitas vezes, é mais importante do que qualquer conselho ou palavra que possamos dizer. Sentir que sua dor é compreendida já é o início de seu cuidado e superação.
Texto produzido pela psicóloga: Caroline Ribeiro
Referências:
- Filme: Divertidamente (2015) – Disney / Pixar
- Livro: Sociedade do Cansaço – Byung Chull-Han. 2017. Editora Vozes.